NÃO SEI QUANTAS ALMAS
TENHO
Não sei quantas almas
tenho.
Cada momento mudei.
Continuamente me
estranho.
Nunca me vi nem achei.
De tanto ser, só tenho
alma.
Quem tem alma não tem
calma.
Quem vê é só o que vê,
Quem sente não é quem
é,
Atento ao que sou e
vejo,
Torno-me eles e não eu.
Cada meu sonho ou
desejo
É do que nasce e não
meu.
Sou minha própria
paisagem,
Assisto à minha
passagem,
Diverso, móbil e só,
Não sei sentir-me onde
estou.
Por isso, alheio, vou
lendo
Como páginas, meu ser
O que segue não
prevendo,
O que passou a
esquecer.
Noto à margem do que li
O que julguei que
senti.
Releio e digo: «Fui
eu?»
Deus sabe, porque o
escreveu.
FERNANDO PESSOA,
Novas Poesias Inéditas (24-8-1930)
Edição e voz: António-José Moreira, Sons da Escrita.
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