sexta-feira, novembro 06, 2015

À NOITINHA, COM FERNANDO PESSOA: " CHOVE?...NENHUMA CHUVA CAI..."




CHOVE?...NENHUMA CHUVA CAI…


Chove?... Nenhuma chuva cai...
Então onde é que eu sinto um dia
Em que o ruído da chuva atrai
A minha inútil agonia?


Onde é que chove, que eu o ouço?
Onde é que é triste, ó claro céu?
Eu quero sorrir-te, e não posso,
Ó céu azul, chamar-te meu...


E o escuro ruído da chuva
É constante em meu pensamento.
Meu ser é a invisível curva
Traçada pelo som do vento...


E eis que ante o sol e o azul do dia,
Como se a hora me estorvasse,
Eu sofro... E a luz e a sua alegria
Cai aos meus pés como um disfarce.


Ah, na minha alma sempre chove.
Há sempre escuro dentro em mim.
Se escuto, alguém dentro em mim ouve
A chuva, como a voz de um fim ...


Quando é que eu serei da tua cor,
Do teu plácido e azul encanto,
Ó claro dia exterior,
Ó céu mais útil que o meu pranto?


FERNANDO PESSOA,
1-12-1914

Cartas de Fernando Pessoa a Armando Côrtes-Rodrigues. (Introdução de Joel Serrão.)Lisboa: Confluência, 1944 (3.ª ed. Lisboa: Livros Horizonte, 1985).



Sem comentários:

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...